- Quinta, 03 Outubro 2013 09:24
Por José Luiz Germano*
Uma das novidades da Lei 8.935/2004 foi a introdução no nosso direito
da ata notarial, que é de atribuição exclusiva dos tabeliães de notas
(artigo 7º, III).
A ata notarial, em linguagem simples, é um relato escrito, solicitado
por algum interessado, a respeito de fato relevante. Tal relato é
dotado da fé pública própria do tabelião, que fará isso de forma precisa
e objetiva, com base naquilo que tenha sido apreendido pelos seus
próprios sentidos. Basicamente, ele descreverá o que viu e ouviu
pessoalmente.
Na ata notarial o tabelião faz a verificação e a constatação do fato,
atuando como um verdadeiro descritor, indo ao local da ocorrência, se
for preciso. A ata não se perde porque fica preservada no cartório,
lavrada em livro próprio, do qual se pode a qualquer momento expedir uma
certidão com valor de via original.
A grande utilidade da ata notarial, que é um documento público, está
no fato de que se presume verdadeiro tudo o que nela for descrito pelo
tabelião, podendo ser usada em várias situações de produção de prova, em
especial nos processos judiciais (artigo 364 CPC), com a vantagem de
ser previamente constituída por alguém dotado de imparcialidade.
Feita esta rápida introdução a respeito da ata notarial, passo a tratar da interdição, para depois ligar uma à outra.
As pessoas adultas que tenham alguma doença mental incapacitante
devem ser interditadas (artigo 1.767 CCiv) para que um curador as
represente nos atos da vida civil. A ação de interdição é normalmente
promovida por um parente próximo (artigo 1.177 CPC).
Pois bem, alguns enfermos têm patologias discretas, que só um
especialista consegue diagnosticar, até porque a incapacidade pode ser
apenas parcial. Porém, na grande maioria dos casos, a incapacidade é
total, evidente e notória.
Quem de nós já não viu uma mãe carregando consigo um filho
visivelmente incapaz, sem discernimento mental para se determinar
sozinho? Há adultos que são mentalmente verdadeiras crianças ou bebês. E
isso é visível a qualquer um, mesmo sem conhecimento médico. Há casos
mais graves em que a pessoa praticamente não consegue sair da cama, em
total dependência de outrem. Geralmente são casos de paralisia cerebral.
Na minha experiência de juiz de vara de família (1999/2007), entendia
que nesses casos de evidente incapacidade não era necessária a
realização de perícia médica, aplicando a regra do artigo 334, I, que
diz não dependerem de prova os fatos notórios. Em suma, eram feitas
algumas interdições sem laudo pericial, quando este era considerado
desnecessário (artigo 330, I) porque eram consideradas outras
evidências.
O processo de interdição prevê o interrogatório do interditando
(artigo 1.181 CPC), que em alguns casos não consegue nem sequer se
expressar. Nos casos em que a pessoa não consegue se locomover porque
acamada, o juiz precisa se deslocar até a residência dela ou o local de
internação, o que torna o julgamento mais lento. Muitos juízes, por
várias razões, não vão onde a pessoa está e determinam a realização de
perícia domiciliar, que também é custosa e especialmente demorada.
Mesmo não estando o juiz adstrito ao laudo (artigo 436 CPC), há
julgadores que não abrem mão dessa prova em nenhuma situação, inclusive
quando a incapacidade é evidente e por vezes já foi atestada pelo médico
que atende aquele paciente.
Essa exigência do laudo, em alguns casos, é difícil de ser cumprida,
pois é preciso logística adequada, nem sempre disponível, para que a
pessoa deficiente seja levada ao local da perícia, o que gera grandes
transtornos para todos os familiares envolvidos e o paciente, em
especial no caótico trânsito de cidades como São Paulo. E tudo isso
apenas para comprovar o óbvio: a incapacidade total.
A solução que defendo é a utilização da ata notarial para descrever e
comprovar tudo o que o juiz constataria numa inspeção judicial. O
tabelião pode ser chamado à casa da pessoa ou ao local da internação e
lá ser feita a descrição de tudo o que ele constatar de interesse para o
caso.
Tudo o que o tabelião perceber pelos seus sentidos será lavrado na
ata, com a presunção legal de veracidade própria da sua privativa fé
pública notarial, de modo a permitir que o juiz, louvando-se na
confiança que a sociedade e o Estado depositam nos notários, julgue de
forma rápida e segura, sem desconsiderar os outros meios de prova
existentes no processo.
A ata notarial não supre a perícia médica em todos os casos porque o
tabelião é um profissional do direito e não tem conhecimentos de
medicina, mas pode dar ao juiz os elementos que ele precisa para decidir
nos casos em que o laudo não é essencial.
Aliás, no estado do Espírito Santo, o tabelião pode se valer do
auxílio de perito para lavrar as atas (Código de Normas, 671, parágrafo
1º), o que pode ser especialmente útil.
De fato, o tabelião, no seu dia a dia profissional, já está
acostumado a identificar as pessoas e a reconhecer com a sua prudência
aquelas que estão no seu juízo perfeito ou não. Esse trabalho de
aferição da capacidade e da vontade das partes é feito antes de cada
escritura ser lavrada pelo notário, de modo que ele está plenamente apto
a descrever todas as evidências de uma incapacidade total aferível
visivelmente (ictu oculi).
Nada impede que a ata, já suficientemente rica em detalhes, seja
acrescida de fotografias, por vezes muito representativas da
incapacidade da pessoa, tudo de modo a dar ao juiz a segurança
necessária para a sua decisão.
Além disso, há cartórios de notas em praticamente todas as cidades e
distritos, o que não ocorre com os fóruns, estes por vezes distantes das
partes dezenas de quilômetros, o que pode gerar penosos deslocamentos
para os interessados irem até o juiz ou este a eles.
A ata notarial, portanto, elimina as distâncias, as dificuldades de
pauta do juiz, as longas agendas dos órgãos públicos de perícia, tudo em
favor da maior celeridade processual, sem qualquer perda de segurança
jurídica, além de maior respeito à dignidade da pessoa humana,
particularmente dos portadores de deficiência, que merecem especial
proteção estatal (artigo 23, II, CF).
A Constituição refere-se aos deficientes em várias passagens e não
podem tais regras ser interpretadas de forma a lhes negar a maior
eficácia possível. Elas formam um conjunto protetor, que com o uso da
ata notarial torna-se ainda mais efetivo.
O Poder Judiciário tem se valido cada vez mais do trabalho dos
notários, que são por ele selecionados por concurso público e depois são
fiscalizados em sua atividade (artigo 236 CF). Nesse contexto, não faz
sentido deixar de contar com o valoroso trabalho desses profissionais do
direito, que em muito podem contribuir para que seja alcançada a
Justiça almejada por todos nós.
Os tabeliães já fazem com rapidez, segurança e eficiência as
importantes escrituras de divórcios, inventários e partilhas, o que
antes era privativo de processos judiciais (Lei 11.441/2007). Portanto,
não há porque não ser usada a ata notarial na comprovação de fatos
relevantes para os julgamentos das causas de interdição submetidas aos
juízes de família.
Evidentemente que não se pretende que o tabelião substitua o juiz na
função de colheita das provas. Mas, quando a perícia não é essencial
porque a deficiência é evidente, os notários podem certificar esse fato
de fácil constatação, lembrando que normalmente não há resistência na
interdição, que está entre os procedimentos de jurisdição voluntária.
Em conclusão, propugno que os juízes não determinem a realização de
perícias médicas quando estas não forem estritamente necessárias em
casos de interdição (artigo 130 CPC). Além disso, recomendo que as
partes e seus advogados façam uso mais frequente das atas notariais como
meio idôneo de prova, o que naturalmente deve ser estimulado e acolhido
pelos juízes.
*José Luiz Germano foi professor universitário e é desembargador da 2ª câmara de direito público do Tribunal de Justiça de São Paulo.
Fonte: Site Consultor Jurídico