No
processo, colimaram-se reunidas, a um tempo instante, situações de
extrema relevância jurídica a saber que a paternidade protraída ou
postergada implicou, de forma iniludível (i) à subtração de uma
paternidade alimentar, para fins educacionais, mesmo quando cessada a
menoridade, firme a jurisprudência nesse sentido; (ii) a perda de uma
chance de melhoria existencial de vida da investigante, quando
inacessível tornou-se a ela obter, de logo, a paternidade, com os
benefícios advenientes de um imediato e inadiável amparo material e
afetivo; e (iii) “os notórios prejuízos de toda ordem sofridos pela
filha em razão do descaso do pai no seu dever de cuidado.”
Pois
bem. Em perfeito diálogo do direito com a situação dos fatos, na busca
de empreender a solução adequada diante de proposição de uma regra
jurídica, a decisão judicial proferida pelo tribunal paulista apurou a
devida reparação civil, com atenção às peculiaridades do caso.
Na
hipótese, ante a especial circunstância de prévia ação de investigação
de paternidade, onde o pai, subtraindo-se de realizar exame genético
de DNA postergou a demanda de sua filha, agora já adulta, deixando de
prestar-lhe o apoio necessário, não apenas resultou reconhecida a
obrigação de indenizar.
Para
além disso, apurou-se, efetivamente, o fato jurídico de uma melhoria
existencial negada à filha, quando em toda a adolescência faltou-lhe o
pai, diante de sua resistência ao controle judicial da existência do
vínculo biológico.
É
nesse cenário que a ilicitude civil ganha imediata materialidade, a
saber do axioma bem traçado pelo relator, desembargador Galdino Toledo
Júnior.
Ele asseverou, com precisão, a estilete:
“(...)
obteve o apelante noticia de que a autora estava lhe imputando a
condição de pai e, nesse momento, sem dúvida alguma tomou conhecimento
da possibilidade de existência da suposta descendente. Nesse passo, como
pessoa responsável, cabia-lhe o quanto antes, realizar o exame
pericial (DNA), a fim de ter a certeza sobre a paternidade ou não,
demonstrando, inclusive, sua boa-fé em relação aos fatos narrados”.
Ora.
A paternidade investigada resultou durante algum tempo frustrada, em
níveis de um proveito adverso arbitrário, rendendo ensejo, portanto, à
indenizabilidade, apurada na ação indenizatória a circunstancia lesante
ao princípio da boa-fé, cuja presença é exigida nas relações
comportamentais, produtoras de efeitos jurígenos próprios.
No
ponto, a resistência injustificada à demanda, esquivando-se o
investigado, por inúmeras vezes, de realizar o exame genético,
configurou, como admitido no julgado, conduta bastante reprovável e mais
que isso, de lesa-jurisdição, à falta da devida contribuição com a
justiça. Eximiu-se o demandado da paternidade que lhe era posta à prova,
com o poder-dever de exercê-la perante a filha, em todos os níveis que
a relação paterno-filial vem exigir e proclamar.
Precisamente,
tem-se em conta que a imputação da paternidade estava a exigir do
imputado pai contribuir ele com a busca da verdade, abreviando a solução
do litígio, com a razoável duração do processo (garantia
constitucional).
Em ações de tal natureza, a verdade material tem sido paradigma moderno do processo civil.
Aliás,
o fenômeno jurídico do processo, tomado como ciência processual, em
face da verdade, defronta-se com o mesmo problema da filosofia do
direito, segundo o axioma de André Comte-Sponville: “Filosofar é pensar
mais longe do que se sabe. É do que se esquece o cientista, que toma as
ciências por uma filosofia, e é o que recusa o positivista, para o
qual as ciências bastam.” Parece claro, atualmente, que o conceito de
verdade é o do desate necessário a dar funcionalidade à própria
segurança jurídica do fato em si mesmo, na juridicidade que ele produz.
Em
ações como as de investigação de paternidade, o direito da
identificação genética da origem de quem demanda, obriga o magistrado a
um amplo poder de iniciativa probatória para a determinação do fato
imputado.
De
tal efeito, “tem o julgador iniciativa probatória quando presentes
razões de ordem pública e igualitária”, principalmente quando “na fase
atual da evolução do Direito de Família não se justifica inacolher a
produção de prova genética pelo DNA, que a ciência tem proclamado idônea
e eficaz.” (STJ – 4ª Turma, REsp. 222.445-PR). Ou, lado outro, deixar a
mesma perícia de ser realizada.
Assim,
a jurisprudência vem orientando “no sentido de que o magistrado deve
perseguir, especialmente nas ações que tenham por objeto direito
indisponível, como nas ações de estado, o estabelecimento da verdade
real” (STJ – 3ª Turma, Resp. 348007/GO).
Nessa
perspectiva, a inação do investigado em permitir fosse obtida a
verdade real, de interesse de todos, como valor social, somada a
circunstancia de vir a ser, ao fim e ao cabo da lide personalíssima,
declarada a sua paternidade, bem demonstram o acerto da obrigação de
indenizar, fixada na ação própria.
Não se trata, no particular, referir ao “contempt of court”,
mas sobremodo, ao fato decisivo da paternidade protraída, quando
importa considerar, com especificidade, a privação de convivência e de
incumprimento aos deveres paternais.
Assim,
malgrado se entenda que antes do reconhecimento judicial do vínculo,
inexistem deveres decorrentes do poder familiar, caso é pensar que,
formada a relação do processo, a resistência do investigado à lide,
postergando a mais não poder, a declaração judicial da paternidade,
afinal reconhecida, implica inexoravelmente em graves prejuízos ao
regular e obrigatório exercício dos deveres paternais, sacrificados tão
somente por embaraços procrastinatórios do investigado.
É
nessa modelagem, que a omissão de cuidado, o abandono afetivo, a
desídia, refletem uma circunstancia mediata, a intolerância abusiva com
os fatos da vida, inclusive com a própria responsabilidade parental
que se pretende assentada na ação investigatória.
Mais
que isso, quando se posterga, adredemente, o reconhecimento da
paternidade (voluntário ou judicial), nega-se ao filho uma melhoria
existencial de vida, potencializada pela identidade genética e pelo
poder parental desempenhado em coesão, o que pode reclamar, sim,
efeitos retrooperantes de responsabilidade civil.