•Apelação – Mandado de segurança – Pretensão de afastar a
exigência feita pelo Tabelião de notas da apresentação da certidão
negativa de débitos federais como condição para a lavratura de escritura
com referência à alienação de bem imóvel – Admissibilidade – A
comprovação da regularidade fiscal não pode ser pressuposto da
efetivação do registro da transação imobiliária, sob pena de configurar
meio indireto de cobrança de tributos – Sentença reformada para conceder
a segurança – Recurso provido. (Nota da Redação INR: ementa oficial)
EMENTA
Apelação - mandado de segurança – pretensão de afastar a exigência
feita pelo tabelião de notas da apresentação da certidão negativa de
débitos federais como condição para a lavratura de escritura com
referência à alienação de bem imóvel – admissibilidade – a comprovação
da regularidade fiscal não pode ser pressuposto da efetivação do
registro da transação imobiliária, sob pena de configurar meio indireto
de cobrança de tributos – sentença reformada para conceder a segurança.
Recurso provido. (TJSP – Apelação Cível nº
0009830-11.2012.8.26.0053 – São Paulo – 12ª Câmara de Direito Público –
Rel. Min. Venicio Salles – DJ 13.12.2012)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº
0009830-11.2012.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante
UNICARD BANCO MÚLTIPLO S/A, é apelado OFICIAL DO 8º TABELIÃO DE NOTAS DA
CAPITAL DO ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em 12ª Câmara de Direito Público do
Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram
provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator,
que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI (Presidente) e OSVALDO DE OLIVEIRA.
São Paulo, 28 de novembro de 2012.
VENICIO SALLES – Relator.
RELATÓRIO
1. Trata-se de mandado de segurança impetrado por Unicard Banco
Múltiplo S/A contra ato praticado pelo Oficial do 8º Tabelião de Notas
da Capital do Estado de São Paulo, objetivando afastar a exigência de
prévia apresentação de CND Federais como condição para a lavratura de
escritura de imóvel de sua propriedade para o fim de aliená-lo.
A r. sentença indeferiu a inicial e julgou extinto o processo, sem
resolução do mérito, por falta de interesse processual, com base nos
arts. 267, I e VI do CPC e arts. 5º, I e 10, da Lei nº 12.016/09.
A impetrante apelou do julgado.
Vieram as contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
2. O recurso merece ser acolhido.
A impetrante celebrou compromisso de compra e venda de imóvel pelo
qual se comprometeu a outorgar ao promitente comprador escritura
materializadora dessa transação imobiliária.
A autoridade impetrada, no entanto, condicionou a lavratura do ato
notarial à comprovação da regularidade fiscal relacionada às
contribuições previdenciárias e aos tributos administrados pela Receita
Federal, mediante apresentação das respectivas certidões negativas ou
positivas com efeito de negativas.
Em face da impossibilidade de comprovar a regularidade fiscal nesses
moldes, a lavratura da escritura imobiliária restou inviável, obstando a
conclusão do negócio jurídico imobiliário.
A impetrante reclama de suposta dissonância entre a exigência e os
comandos da Lei Maior. Invoca as ações declaratórias de
inconstitucionalidade intentadas com relação ao art. 1º, incs. I, III e
IV e §§ 1º, 2º e 3º, da Lei nº 7.711/88, dispositivo que afirma a
obrigatoriedade dos contribuintes comprovarem a quitação dos tributos,
como condição necessária para a prática de atos da vida civil, nos quais
se incluem a lavratura e o registro de ato de transmissão imobiliária.
Salienta que as ADIs 173 e 394 foram processadas com a concessão de
liminar.
A autora combate a r. sentença no tocante à alusão feita à Lei nº
8.212/91 e ao Decreto nº 3.048/99, que veiculam a exigência da
regularidade fiscal, afirmação ora impugnada, que representa meio
impróprio de cobrança de tributos, exigência que já vinha sendo
rechaçado pela jurisprudência, tendo, inclusive, provocado a edição das
Súmulas 70, 323 e 547 do STF.
A apelante assume possuir pendências exclusivamente relativas à tributação federal.
Pois bem.
O direito de propriedade vem consagrado na
Carta Constitucional como um dos fundamentos maiores do sistema jurídico
pátrio, de forma que as restrições, limitações ou o perecimento capazes
de atingir ou contaminar este direito devem vir igualmente consagradas e
previstas na Constituição.
A propriedade, consubstanciada na prerrogativa de livremente usar,
gozar e dispor de um bem imóvel, portanto, somente pode experimentar
restrições determinadas pela “função social”, que é o vetor da melhor e
mais harmônica formação das cidades; pela desapropriação, que representa
a prevalência do direito coletivo sobre o individual; requisições em
situações especiais e restrições urbanísticas que também possuem esteio
na função social. Afora as hipóteses constitucionalmente previstas,
inviável ou ineficaz será qualquer forma direta ou indireta que venha
restringir uma das prerrogativas do domínio.
A “disposição”, direito inerente à alienação e compra de um bem
imóvel, deve obediência apenas aos valores constitucionais e à vontade
das partes, o que torna inoperante a restrição veiculada em legislação
infraconstitucional que negue essa liberdade. A compra e venda não pode
ficar condicionada a qualquer prova ou comprovação de regularidade
fiscal ou previdenciária, salvo quando a própria transação tipificar
fato gerador do imposto, o que não é o caso do imposto de renda que
incide sobre os lucros, mas não sobre a própria venda e compra.
No intuito de sublinhar esse entendimento, convém relembrar
precedente sobre essa matéria proferido no processo 000.02.017426-8 da
1ª Vara de Registros Públicos, de minha lavra:
“O ato de registro é um ato complexo, e na sua efetivação e confecção incidem vários comandos normativos de várias ordens.
Foi efetivando tal mister que o Registrador obstou a lavratura da
escritura dirigida à alienação do imóvel, exigindo o cumprimento do
disposto no art. 257, inciso I, letra 'b', do Decreto Regulamentador nº
3.048/99, editado com base no art. 47, inciso I, letra 'b', da Lei nº
8.212/91.
Para melhor análise da questão, necessária a reprodução de tais comandos da Lei nº 8.212/91:
'Art. 47 É exigida Certidão Negativa de Débito fornecida pelo
órgão competente, nos seguintes casos: (caput com redação dada pela Lei
n.º 9.032/95)
I - da empresa:
a) na contratação com o Poder Público e no recebimento de benefícios ou incentivo fiscal ou creditício concedido por ele;
b) na alienação ou oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo;'
A lei ordinária transcrita impõe ao registrador, que exija à
EMPRESA a apresentação do CND na alienação ou oneração, a qualquer
título, de bens imóveis, de forma que, sem a PROVA da regularidade
tributária ou fiscal, não pode a empresa onerar ou alienar qualquer
imóvel que componha seu PATRIMÔNIO.
Em uma análise gramatical do texto legal transcrito, é de se
verificar que a exigência deve ser feita à empresa alienante e não ao
particular adquirente, até porque não se pode exigir de qualquer pessoa,
física ou jurídica, salvo a existência de solidariedade real ou legal,
que satisfaça obrigação de outrem, ou que atenda ou cumpra obrigação
alheia.
Portanto a LEI indica que por ATO VOLUNTÁRIO a pessoa jurídica
não pode alienar bem que componha o seu acervo patrimonial fixo sem a
prévia ou antecedente comprovação da regularidade previdenciária e
fiscal.
Mesmo em se abstraído qualquer análise do ponto de vista
constitucional sobre a validade desta exigência, é de se concluir que
quando a TRANSMISSÃO IMOBILIÁRIA não decorre, em seu termo final, de ato
volitivo da empresa, não se pode exigir ao ADQUIRENTE, que cumpra a
obrigação imposta àquela. A LEI 8.212/91 exige expressamente que tal
OBRIGAÇÃO seja observada e cumprida pela empresa transmitente, e não se
pode expandir tal imposição, transferindo-a para terceiros.
A empresa não pode (em princípio), alienar sem comprova a
REGULARIDADE PREVIDENCIÁRIA. Seu ato de disposição se encontra limitado
ao comando legal.
Contudo quando a transferência é efetivada por força de decisão
judicial proferida em SUBSTITUIÇÃO à manifestação de vontade da empresa
titular do domínio, a exigência do CND se mostra irregular ou abusiva.
Destaque-se, outrossim, que a lei em exame impõe responsabilidade
solidária ao notário e registrador que não venha a observar a
'exigência'. Tal responsabilização se encontra no art. 48:
'Art. 48. A prática de ato com inobservância do disposto no
artigo anterior, ou o seu registro, acarretará a responsabilidade
solidária dos contratantes e do oficial que lavrar ou registrar o
instrumento, sendo o ato nulo para todos os efeitos.
§ 1º. Os órgãos competentes podem intervir em instrumento que
depender de prova de inexistência de débito, a fim de autorizar sua
lavratura, desde que o débito seja pago no ato ou o seu
pagamento fique assegurado mediante confissão de dívida fiscal com o
oferecimento de garantias reais suficientes, na forma estabelecida em
regulamento.
§ 2º. O servidor, o serventuário da Justiça e a autoridade ou
órgão que infringirem o disposto no artigo anterior incorrerão em multa
aplicada na forma estabelecida no art. 92, sem prejuízo da
responsabilidade administrativa e pena cabível'.
Portanto, a SOCIEDADE ou o EMPRESÁRIO não pode alienar sem
cumprir tal desiderato legal e se o fizer, nos termos desta lei,
realizará um ato NULO ou ANULÁVEL, com responsabilidade para o notário
ou registrador que o aceitar e registrar. O REGISTRADOR deve exigir a
apresentação de CND para aparelhar o registro de toda e qualquer venda
imobiliária feita por PESSOA JURÍDICA que possa desfalcar ou diminuir o
seu PATRIMÔNIO fixo ou permanente.
Apartando-se um pouco da leitura LITERAL do dispositivo
transcrito, e analisando-se um pouco mais a questão da SOLIDARIEDADE, é
de se considerar que a CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA, como contribuição
social, se enquadra e possui natureza tributária, tanto que a sua
previsão constitucional foi encartada no contexto do SISTEMA
CONSTITUCIONAL TRIBUTÁRIO.
Sendo tributo, devem as exigências previdenciárias se guiar ou se
pautar pelos princípios que regem e delimitam todo o campo tributário e
conferem o exato perfil fiscal. Assim a SOLIDARIEDADE somente pode ser
validamente criada por lei, nas hipóteses em é permitida ou admitida a
existência da RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA, concebida e delimitada pelo
artigo 128 e seguintes do Código Tributário Nacional.
Como terceiros, o art. 134, inc. VI, do CTN permite que lei
ordinária estabeleça a responsabilização dos TABELIÃES e ESCRIVÃES pelos
tributos devidos sobre os atos praticados por ou perante eles.
Desta forma, lavrando uma escritura de compra e venda ou
promovendo o seu registro, os DELEGADOS do SERVIÇO PÚBLICO notarial ou
registral, podem responder pelos tributos desencadeados 'em razão do
ato', contrato ou negócio formalizado ou registrado. Necessário que o
FATO GERADOR do tributo ou contribuição seja a própria OPERAÇÃO
formalizada.
Neste contexto, evidente que o ITBI ou o imposto de transmissão
causa mortis e doação devem ser exigidos pelo REGISTRADOR, pois o fato
gerador tributário tem como aspecto temporal a própria transmissão.
Entretanto, não há como ser prevista responsabilidade para os notários e
registradores quando o FATO GERADOR da contribuição previdenciária ou
qualquer outra espécie de TRIBUTO não se materialize na TRANSMISSÃO
IMOBILIÁRIA.
É de destacar que o fato gerador da contribuição previdenciária é
a prestação ou realização de serviço com o sem vínculo empregatício
(art. 195, I, 'a', CF). A legislação promove a seguinte eleição de
sujeitos passivos:
'Art. 12. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
I - como empregado:
a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural à
empresa, em caráter não eventual, sob sua subordinação e mediante
remuneração, inclusive como diretor empregado;
b) aquele que, contratado por empresa de trabalho temporário,
definida em legislação específica, presta serviço para atender a
necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente
ou a acréscimo extraordinário de serviços de outras empresas;
...
II - como empregado doméstico: aquele que presta serviço de
natureza contínua a pessoa ou família, no âmbito residencial desta, em
atividades sem fins lucrativos;
III - como empresário: o titular de firma individual urbana ou
rural, o diretor não empregado, o membro do conselho de administração de
sociedade anônima, o sócio solidário, o sócio de indústria e o sócio
quotista que participe da gestão ou receba remuneração decorrente de seu
trabalho em empresa urbana ou rural;
IV - como trabalhador autônomo:
a) quem presta serviço de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais empresas, sem relação de emprego;
b) a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza urbana, com fins lucrativos ou não;
V - como equiparado a trabalhador autônomo, além dos casos previstos em legislação específica:
...
VI - como trabalhador avulso: quem presta, a diversas empresas,
sem vínculo empregatício, serviços de natureza urbana ou rural definidos
no regulamento;
VII - como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o
arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam
essas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar,
ainda que com auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos
cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles
equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar
respectivo'.
A dicção constitucional e o texto legal revelam que CONTRIBUINTE é
o empregador ou o empregado, independentemente da existência de vínculo
de emprego ou vínculo funcional e que o fato gerador ocorre se
materializa no pagamento dos salários, vencimentos, ganhos ou na
cobrança dos serviços autônomos ou sem vínculo.
Este elenco de situações deflagradoras da CONTRIBUIÇÃO se coloca
muito distante do simples ato de transmissão imobiliária, de forma que
não há como, sob o ponto de vista do Código Tributário Nacional e da
Constituição Federal, ser admitida a responsabilização do Notário e do
Registrador, pela ausência do recolhimento decorrente da folha de
pagamento ou do pagamento a um serviço autônomo. Não há o vínculo
exigido pelo art. 128 do CTN, que, como norma com eficácia de lei
complementar, limita e impede os efeitos da legislação ordinária
contrária a seus comandos.
Destarte, não há como se extrair responsabilidade fiscal do art.
42 da Lei nº 8.212/91, na medida em que os tabeliães e escreventes não
concorrem, com seus atos, para elaboração ou formalização FATO GERADOR
da contribuição do INSS.
Não há como a lei infraconstitucional criar vínculo solidário ou
atrelamento do ato notarial à liquidação de dívidas referentes a
tributos estranhos à transmissão imobiliária.
O mesmo ocorre com os TRIBUTOS FEDERAIS, cuja certidão negativa também é exigida no ato da transmissão imobiliária.
Portanto, o Oficial não pode compor a estrutura do FATO GERADOR
de tais exigências, de forma que não pode ser substituto da imposição
fiscal/previdenciária, e nesta conformidade não pode responder pelos
respectivos valores.
O Registrador atua apenas como eventual apoio à fiscalização,
podendo ser obrigado a informar e anotar os negócios imobiliários
concretizados.
É de se acrescentar que o INSS pode constituir eventual débito
previdenciário através da expedição de CERTIDÃO DA DÍVIDA ATIVA, e pode
exigir o recolhimento junto ao CONTRIBUINTE ou frente aos responsáveis.
Contudo, deve a entidade previdenciária empregar os mecanismos
ORDINÁRIOS que dispõe para promover tal COBRANÇA. Neste intento deve
ajuizar execução fiscal que o único meio hábil para a cobrança forçada,
sendo inconstitucionais quaisquer mecanismos ADMINISTRATIVOS tendentes a
atingir tal finalidade (cobrança forçada).
Somente a JURISDIÇÃO é que autoriza a cobrança forçada de todas
as pessoas ou entidades, públicas ou privadas, submetidas aos PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS. Somente a JURISDIÇÃO é apta a alijar coercitivamente
um bem do devedor para responder pelo crédito do credor. Não há outro
mecanismo que encerre tal efeito.
Assim, somente com emprego da EXECUÇÃO FORÇADA (jurisdição) é que
se pode restringir coercitivamente o patrimônio dos devedores, sendo
que todo e qualquer mecanismo ou sistema que resulte em tal restrição ou
diminuição patrimonial, depende necessariamente do PODER JURISDICIONAL.
Impedir uma transmissão imobiliária voluntária ante a
inexistência de comprovação de regularidade previdenciária se mostra
inconstitucional, por conferir efeitos JURISDICIONAIS à ADMINISTRAÇÃO,
que ao invés de deflagrar uma ação de EXECUÇÃO, opta por um “atalho” não
autorizado pelo Texto Supremo.
Destaque-se que mesmo frente ao longo tempo em que as certidões
negativas vêm sendo exigidas como condição indispensável de acesso ao
fólio real, é correto entender que a CONSTITUIÇÃO FEDERAL não alberga ou
aceita tal limitação ou restrição ao pleno exercício do DIREITO DE
PROPRIEDADE.
O Direito Positivo pátrio é pródigo em criar mecanismos e
fórmulas para que os DIREITOS PRIVADOS corriqueiros, fiquem sempre
atrelados à prévia comprovação da regularidade tributária e
previdenciária. Todos estes casos, em que pese o INTERESSE PÚBLICO que
os impulsiona, ele não é suficiente para invalidar ou enfraquecer
disposições constitucionais peremptórios ou para afetar a segurança
jurídica, base de todo o sistema.
Toda e qualquer COBRANÇA FORÇADA ou todo e qualquer mecanismo que
tenha este sentido, somente pode ser operacionalizado na prática com o
emprego da JURISDIÇÃO, que é poder que a ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA não
dispõe. A restrição ao pleno exercício do direito de propriedade somente
pode ser viabilizada com a utilização da jurisdição.
Não se pode, a pretexto de se promover a cobrança do INSS ou
demais TRIBUTOS FEDERAIS, obstar que alguém que legitimamente adquiriu
uma propriedade ou se prive da conquista deste legítimo título.
A escritura ou o próprio registro imobiliário podem destacar a
ausência da apresentação do CND do INSS e a certidão negativa da Receita
Federal, mas não pode impedir o registro da carta ou do título.
Toda a legislação infraconstitucional que versa sobre o assunto e
que exige o atrelamento entre o registro imobiliário e a comprovação de
regularidade tem fortes indícios de inconstitucionalidade, até porque o
direito de propriedade somente comporta restrição e limitação em razão
da FUNÇÃO SOCIAL delineada pelo PLANO DIREITOR MUNICIPAL. Não há
qualquer outra restrição ou limitação contemplada pela CONSTITUIÇÃO, de
forma que os mecanismos legais que venham a impingir outras limitações
não encontram o necessário suporte constitucional.
O INSS pode ser informado da apresentação ou não da certidão, e
com tal informação deve promover a COBRANÇA mediante EXECUÇÕES FISCAIS e
PREVIDENCIÁRIAS, na qual contam com adequado suporte jurídico para que a
exigência atinja seus objetivos.
A facilidade de burla e a possibilidade de sonegação não são
suficientes para justificar a exigência, em todos os casos, da certidão
negativa de débitos federais. Pode até ser uma medida 'recomendável'
para se evitar a evasão fiscal e previdenciária, mas não é
constitucionalmente válida, na medida em que o Texto Supremo, não
contempla tais formas de COBRANÇA, bem como, não confere jurisdição aos
órgãos administrativos.
Neste contexto, estabelece o inciso LIV do art. 5º da CF que
ninguém pode ser 'privado ... de seus bens sem o devido processo legal'.
Não há, portanto, como se privar uma pessoa do domínio de um imóvel
adquirido, sem o procedimento legal, que no caso é jurisdicional”
Destarte, é de se reformar a r. sentença para se conceder a segurança
almejada, afastando-se a exigência da apresentação das certidões
negativas referentes a quaisquer débitos tributários federais que não
digam respeito ao ato negocial de alienação do bem imóvel, cuja ausência
pode tão-somente constar do registro.
3. Pelos motivos expendidos, dá-se provimento ao recurso.
VENICIO SALLES – Relator.
Fonte: Boletim Eletrônico INR nº 5643 - Jurisprudência