Sebastião Mendes de Oliveira é o oficial do cartório de Registro Civil e Tabelionato de Notas de Glaucilândia (MG), município de cerca de três mil habilitantes localizado no norte do estado.
Possui 10 irmãos, é casado e seu filho João Gabriel tem três anos.
Sebastião é exemplo de superação, mas só quem o conhece sabe o porquê.
Uma
alteração nos genes fez com que ele nascesse com uma deficiência
física. Sebastião nasceu sem os dois braços e possui apenas um dedo
saindo do ombro esquerdo.
Sebastião é exemplo de superação e dedicação ao registro civil
Natural
de Berizal (MG), também no norte de Minas, Sebastião enfrentou muitas
dificuldades, principalmente, quando criança. Aos sete anos, quando iria
começar a estudar, a diretora alegou que a presença dele na sala de aula iria atrapalhar o andamento da turma, por isso Sebastião não poderia estudar mais naquela escola.
Quando
ia brincar ou jogar futebol, ouvia muito “Você não pode”. Sua mãe,
Sebastiana, o dizia que se quisesse mostrar o contrário ele teria que
“ir lá e tentar”.
Um dia, quando brincava na porta de casa,
alguns policiais da escolta do governador que estavam passando pelo
local começaram a conversar com ele. Quando perguntaram se ele estudava,
Sebastião disse que não, e sua mãe explicou o motivo. Os policiais se
indignaram com a situação e pediram para ela entrar em contato novamente
com a diretora. A partir daí veio a promessa que Sebastião iria começar
a estudar no ano seguinte.
Hoje,
aos 35 anos, Sebastião Mendes é formado em Direito, é pós-graduado em
Direito Notarial e Registral, em Direito Econômico e Empresarial, em
Direito Ambiental e em Psicopedagogia. É também professor formador de
Direito Empresarial no Instituto Federal e professor de Educação Especial e Inclusiva nas Faculdades ISEIB.
Seu
interesse pelos serviços notariais e de registro surgiu por influência
de um amigo da Receita Estadual, Saulo Siqueira. “Ele afirmava que eu
iria adorar e que eu tinha potencial para ser classificado. Ele fez de
tudo, desde a inscrição até eu tomar posse, quando ele foi até Belo
Horizonte, no dia 24 de agosto de 2011, e acompanhou tudo de perto”,
explicou Sebastião.
Sebastião Mendes ao lado das funcionárias Patrícia, Matilde e da juíza de paz Waldenice Rodrigues
Antes
de assumir a serventia de Glaucilândia, Sebastião era servidor da
Receita Estadual de Minas Gerais e tinha muito receio em relação à
questão econômica, pois era casado, tinha um filho, estava prestes a
terminar o estágio probatório na Receita Estadual e nunca havia
trabalhado em cartório ou em serviço parecido. “Meu sentimento era de
incerteza e desconfiança em relação à recepção dos cidadãos daquele
município e do futuro incerto. Hoje sequer cogito a possibilidade de me
afastar do cartório. Estou extremamente realizado com a situação
financeira e certo de que nasci para desempenhar o papel de registrador e
tabelião”, disse.
Sua maior dificuldade foi adaptar o espaço físico às suas condições de trabalho,
já que faz praticamente tudo com os pés. O cartório possui sede
própria, onde foi construído o espaço não apenas para atender às
necessidades de Sebastião como também para melhor atender as pessoas com
dificuldade de locomoção, seja em função de uma deficiência física ou
em virtude da idade.
“Soma-se
a tudo isso o medo que tinha de amassar as certidões, procurações,
escrituras, e ficava imaginando se as pessoas iriam ter alguma restrição
e preconceito por eu não ter os braços, se iriam confiar no tabelião
que possui deficiência. Hoje não tenho dificuldades e sim desafios em
manter a excelência, a eficiência e a presteza do atendimento na
serventia em virtude do aumento da demanda, que é crescente”, explicou o
registrador civil.
Sebastião
ainda lista três situações que lhe marcaram durante esses anos à frente
do cartório. A primeira delas foi logo que assumiu o cartório, quando
os moradores de Glaucilândia, do distrito, das comunidades e das cidades
vizinhas passaram a procurar a serventia, pois ficaram sabendo que o
novo oficial não tinha os braços. “As pessoas solicitavam um
autenticação ou um reconhecimento de firma apenas para me verem assinar
com os pés, retirar e afixar o selo. Isso divulgou o cartório e ajudou a
construir grandes amizades. Quem antes procurava uma autenticação agora
solicita procurações, escrituras e elogia o nosso trabalho”.
Sebastião foi homenageado pelo seu comprometimento ao cartório e aos moradores da cidade
Outro
fato marcante aconteceu quando Sebastião foi convidado a proferir
palestras motivacionais na cidade e nas áreas rurais e falar sobre a
regularização dos documentos. “Eu falava sobre a importância da minha
família e os efeitos foram sentidos quando os então “supostos pais”
procuravam o cartório para reconhecerem os filhos, nos termos do
Provimento 16”, relembra.
O
casamento entre pessoas do mesmo sexo celebrado pelo cartório em 2013
mobilizou a cidade, dividiu opiniões e foi abraçado pela comunidade.
Esta foi outra situação que Sebastião não esquece.
No
dia a dia, fora do trabalho, ele consegue fazer tudo com os pés,
sozinho, embora sua esposa e seu filho, que estão sempre por perto, o
auxiliem. “No cartório, todas as pessoas que passaram como meus
substitutos tinham o perfil de “servidor”, no sentido latu da palavra,
ou seja, de servir. E serviam não apenas às pessoas que buscam
atendimento nesta serventia como zelam pelo meu bem estar e ficam sempre
por perto. Hoje, a atual substituta, Geane Aparecida da Silva Pereira,
não é diferente. Ela cuida de toda parte do registro civil - apenas
supervisiono, de perto, o serviço realizado - e eu cuido da parte de
notas sozinho”, disse Sebastião, que também explicou como ele faz para
trabalhar.
“O
espaço de trabalho é todo voltado para atender minhas necessidades,
como a altura mesa e a posição do teclado. Teclo com o dedo único que
tenho e com a boca. O mouse fica em uma mesa que mede, aproximadamente,
25 centímetros de altura e eu o movimento com os pés. O aparelho de
telefone e fax fica em uma altura que permite eu segurá-lo com o dedo.
Construímos um local específico para a guarda e conservação do acervo da
serventia, que está adaptado às minhas necessidades para apanhar os
livros com facilidade”, explicou.
Sebastião
está sempre em busca do aprimoramento, tanto é que já participou de
vários cursos de qualificação promovidos pelo Recivil. Ele diz que
sempre há algo para aprender. “Como dizia o filósofo, “só sei que nada
sei”. Sou frequentador assíduo dos cursos quando realizados nas cidades
de Januária, Pirapora e Montes Claros. Com eles, temos a oportunidade de
“ficar por dentro” de todas as atualizações da legislação cartorária, o
posicionamento dos desembargadores e tudo isso traz para o oficial uma
segurança no desempenho de suas funções e o reflexo deste
aperfeiçoamento e aprendizado é imediato junto à sociedade. E não tem
como deixar de falar da professora Joana, não apenas pelo conhecimento
que é notório, como também, em especial, a simplicidade para passar o
conhecimento. Ela é uma pessoa que transmite muita paz”, ressaltou.
Todo
esse comprometimento ao cartório e aos moradores da cidade lhe rendeu,
no final de 2013, o título de “Cidadão Honorário de Glaucilândia”. Ele
recebeu a visita do vereador “Dãozinho” que lhe disse: “Sebastião,
indiquei sua pessoa para receber o título de Cidadão Honorário desta
cidade em virtude do trabalho realizado no cartório. Em apenas dois anos
você construiu um espaço digno para os cidadãos e cidadãs de
Glaucilândia e destaco o atendimento sempre cordial que dispensa a quem
procura o cartório, seja rico, pobre, alfabetizado ou não. Na maioria
das vezes ainda atua como conciliador e tem evitando muitos conflitos”.
Agora,
Sebastião comemora a segunda cidadania. “Com tudo isso, fiquei surpreso
e muito feliz com o reconhecimento das pessoas pelo meu trabalho. É
isto que me motiva a estar sempre melhorando, ainda mais agora que
ganhei uma segunda cidadania, sou cidadão de Glaucilândia”.
Placa de “Cidadão Honorário de Glaucilândia” foi entregue pelo vereador “Dãozinho” ao oficial no final do ano de 2013
Para
finalizar essa história de superação, fé e força de vontade, Sebastião
deixa uma mensagem para os colegas de profissão. Segundo ele, o trabalho
não é fácil, mas a dedicação vale a pena.
“Como
tudo na vida, atuar como oficial, tabelião ou registrador não é fácil e
em um município pequeno e carente é um pouco mais difícil. Mas apesar
dessas dificuldades vale apena nos dedicar. A questão econômica se
resolve com um excelente atendimento e as outras dificuldades se
resolvem com trabalho e tempo. É preciso ser “humano”, evoluir com as
pessoas, “adotar a cidade” e ser o melhor que podemos ser. Temos status
de servidor público e “só se constrói uma sociedade livre, justa e
solidária assegurando a todos, não importando suas condições ou status
pessoal ou social, igualdade material para realização dos direitos de
que sejam titulares””.
Fonte: Assessoria de Comunicação do Recivil