A União Estável feita em Cartório ainda desperta muita curiosidade.
Ela faz parte de diversos outros assuntos muito importantes oriundos do
direito de família que podem ser tratados na seara extrajudicial sem a
necessidade de se buscar o já assoberbado judiciário e infelizmente
muitos colegas advogados desconhecem, refletindo com isso no prejuízo
para a Sociedade que muitas vezes deixa de resolver seus problemas (ou
mesmo preveni-los) já que o profissional consultado não conhece os
caminhos disponíveis do Extrajudicial. A União Estável tem regramento
legal em dois diplomas antigos (Lei 8.971/94, Lei 9.278/96, Código
Civil, além dos par.3º e 4º do art. 226 da Carta Magna). Muitos outros
atos normativos (especialmente do CNJ) ajudam a colorir o embasamento
para essa forma de família.
Neste brevíssimo ensaio vamos pontuar, no que diz respeito à União
Estável feita em cartório, alguns dos fatos mais comuns que podem ser
considerados mito e verdade, rogando desde já que os interessados se
aprofundem no tema (já que meu objetivo sempre vai ser encaminhar você à
leitura!!!). Vamos lá:
1. SOMENTE A UNIÃO ESTÁVEL FEITA EM CARTÓRIO, POR ESCRITURA PÚBLICA, PODE SER RECONHECIDA POR LEI
MITO: a Lei não exige em qualquer momento escritura pública para que o
relacionamento de União Estável seja reconhecido. Basta a leitura do
art. 1.723 do CCB para ver que tal formalidade não está dentro dos
requisitos reclamados por Lei (“convivência pública, contínua e
duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família”). O
que de fato está a Lei fala, quando fala em documento é o contrato
escrito (art. 1.725) e mesmo assim não exige que seja por escritura
pública (ou seja, pode ser sim por Instrumento Particular). Diante da
possibilidade enorme de ser um documento mal feito, a recomendação é que
seja feita por alguém que conheça do assunto e também que seja feito
por escritura pública já que sendo assim ela ficará eternizada no acervo
do Cartório (ou seja, sumiu basta pedir uma Certidão (popularmente
chamada de “segunda via”) a qualquer momento…. e o Cartório tem que ter
esse “original” sempre para possibilitar a expedição das certidões;
2. É POSSÍVEL ESCOLHER REGIMES DE BENS COMO A SEPARAÇÃO DE BENS, A COMUNHÃO TOTAL DE BENS ETC
VERDADE: ressalvada a hipótese onde a Lei impõe a separação
obrigatória de bens (vide art. 1.641 do CCB) o casal poderá escolher
qualquer um dos regimes que o Código Civil já oferece (separação de
bens, comunhão total/universal de bens, comunhão parcial, participação
final nos aquestos) e ainda criar um regime de bens misto, tal como
acontece no Casamento;
3.A ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL TEM QUE SER FEITA NO CARTÓRIO DO DOMICÍLIO DO CASAL
MITO: a Lei não faz essa exigência em qualquer momento. Sendo feita
por escritura pública são atraídas as regras do art. 8º da Lei de
Notários e Registradores (“Art. 8º É livre a escolha do tabelião de
notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar de situação
dos bens objeto do ato ou negócio”), dessa forma – para o bem e para o
mal – ela pode ser feita em qualquer cartório de notas. Como não há
qualquer sistema que controle e interligue a realização de Escrituras de
União Estável em diversos Cartórios / Estados (e também pela
possibilidade de ser feito por Instrumento Particular, o que esvaziaria
suposta eficiência de um sistema interligando) isso também pode ser um
problema;
4. A ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL PODE SER FEITA INTEIRAMENTE ON-LINE, SEM PRECISAR IR AO CARTÓRIO
VERDADE: especialmente no momento de pandemia que vivemos passou a
ser possível a realização de diversos atos notariais e registrais pela
via eletrônica. Coube ao CNJ a tarefa de normatizar isso através do
Provimento CNJ 100/2020 (que suplico desde já que os colegas leiam pois é
muito bacana). Aqui cabe uma observação: para a realização de atos pelo
formato eletrônico deverão ser observadas as regras dos arts. 19 e
seguintes do provimento para fins de territorialidade (isso também já
causou e pode estar causando muita dor de cabeça entre os colegas
cartorários…);
5. É OBRIGATÓRIO ADVOGADO PARA A REALIZAÇÃO DA ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL
MITO: pouquíssimas vezes enquanto Cartorário eu vi um casal vir ao
Cartório acompanhado de Advogado para realizar a Escritura Declaratória
de União Estável. É preciso considerar que não é obrigatória a presença,
mas ela também não é proibida: sim, orientação jurídica nunca é demais.
Vejo como o contexto ideal quando o casal realiza o ato (com a presença
ou não) do Advogado, mas através de escritura pública feita em cartório
com base em minuta preparada pelo advogado, conhecendo este os detalhes
e objetivos do casal;
6. OBTER UMA ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL É UM PROCEDIMENTO CARO, BUROCRÁTICO E DEMORADO
MITO: um dos atos notariais mais céleres e dinâmicos que existe é a
lavratura da Escritura de União Estável. O Cartório geralmente já tem
uma minuta pronta (lamentável usar “modelinhos” prontos, mas costuma
ajudar em muitos casos: o ideal é o casal fazer um documento voltado
para os detalhes do casal e suas necessidades específicas). A Escritura
fica pronta em minutos. Claro que é preciso considerar as peculiaridades
do Cartório e outros pontos, mas não é nem de longe um ato complexo
como um Inventário, Usucapião, Compra e Venda, Usufruto etc. Não é CARO
pois é tecnicamente o que se chama de uma “Escritura sem valor
declarado” já que não há transação imobiliária etc. A cobrança como em
qualquer outro ato notarial é regrada por normas estaduais, então
variará conforme o Estado. Consulte sempre o tabelionato antes!
7. SÓ CONSIGO FAZER A ESCRITURA SE EU FOR SOLTEIRO OU DIVORCIADO. CASADO SEPARADO DE FATO NÃO PODE
MITO: a Lei permite expressamente (art. 1.723, § 1º do CCB) que a
união estável se configure mesmo se algum deles (ou os dois) ainda for
casado, porém separado de fato (e basta uma declaração para isso, sem
qualquer comprovação. A palavra das partes tem valor e o Tabelião não
deve e nem pode, nesse caso, realizar “investigações”. Ele registra a
declaração das partes apenas, que ali estiveram naquele dia e na sua
presença disseram aquilo tudo, sob as penas da lei). Nessa hipótese de
separados de fato só não recomendo a possibilidade de adoção de regime
de bens com comunhão (para evitar confusão patrimonial. Imagine-se um
separado de fato adotando a comunhão universal…. esquece!);
8. POSSO MUDAR MEU NOME ACRESCENTANDO SOBRENOME DO MEU COMPANHEIRO ATRAVÉS DA UNIÃO ESTÁVEL
VERDADE: muita gente não sabe, mas a modificação do nome é possível e
há decisões do STJ sedimentando essa possibilidade (vide REsp
1306196/MG e REsp 1206656/GO, por exemplo);
9. A ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL ME GARANTE TODOS OS DIREITOS DE PESSOA CASADA (PARTILHA, HERANÇA ETC)
MITO: não é certo dizer que a ESCRITURA garante. Quem garante é a
configuração da União Estável através da reunião dos requisitos que a
Lei exige. A Escritura é um importante instrumento que juntamente com as
demais provas vai robustecer o conjunto probatório para configurar a
União Estável e o casal precisa saber disso. Ora, o Instrumento
isoladamente não configura e nem poderia. Lembre-se que a União Estável
já foi chamada de “União Livre” em comparação ao casamento e com toda
razão já que ela se diferencia do casamento pela ausência de
formalidades… o melhor conselho para quem vive em União Estável é sim
cuidar das provas pois elas serão necessárias para a comprovação da sua
configuração e através disso garantir que os direitos dela decorrente
sejam usufruídos;
10. NÃO POSSO FAZER UNIÃO ESTÁVEL EM CARTÓRIO SE TIVER FILHOS MENORES
MITO: é plenamente possível fazer Escritura de União Estável em
Cartório mesmo com filhos menores do casal. Observe-se que na hipótese
estamos fazendo – e não desfazendo – uma União. Sempre recomendei nesses
casos que o casal juntasse no dossiê, além dos documentos de
identificação e comprobatórios dos fatos, as Certidões de Nascimentos
dos filhos, no caso. Recomendação e não obrigatoriedade;
11. POSSO ALTERAR A ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL EM CARTÓRIO
VERDADE: infelizmente tivemos alguns casos onde os juízes não
autorizavam a alteração utilizando-se analogia para aplicar (a
restrição!!!) do que ocorre com a alteração do regime de bens em
Casamento. Vejo como um equívoco já que não podemos aplicar restrição
por analogia… é regra basilar de direito. De toda forma, basta pensar:
se não posso alterar, então vou dissolver e fazer outro com as
modificações pretendidas – ou seja – acaba-se com isso obrigando o casal
a simular uma dissolução, ter mais trabalho e gasto de tempo e dinheiro
para chegar no mesmo objetivo… um desserviço;
12. POSSO REGISTRAR MINHA ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL NO MEU REGISTRO CIVIL DE NASCIMENTO E NO REGISTRO DE IMÓVEIS
VERDADE: muita gente também não sabe e desconhece o PROVIMENTO CNJ
37/2014 que tem a seguinte ementa: “Dispõe sobre o registro de união
estável, no Livro E, por Oficial de Registro Civil das Pessoas
Naturais”. Ora, é plenamente possível o registro. No Registro de Imóveis
também é possível. No Rio de Janeiro a possibilidade está regulada pelo
PROVIMENTO CGJ 03/2019. Aqui cabe ponderar sobre o ponto seguinte:
13. SÓ A ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL ME PERMITE CONVERTER UNIÃO ESTÁVEL EM CASAMENTO
MITO: novamente não é o título (Escritura) que vai permitir ou não a
Conversão da União Estável em Casamento. A Lei permite expressamente aos
interessados (já que não se trata de obrigatoriedade, mas sim
facultatividade) a conversão da União Estável em Casamento. Isso pode
ser feito tanto judicialmente quanto extrajudicialmente (vide o
precedente do TJRJ – AgInst 0038080-09.2015.8.19.0000). No Rio de
Janeiro o Código de Normas regula expressamente o procedimento
extrajudicial de conversão nos artigos 783 e seguintes;
14. PARA A DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL A PRESENÇA DE ADVOGADO É OBRIGATÓRIA
VERDADE: a regra está estatuída no art. 733 e seguintes do CPC/2015 e
de fato aqui, diferentemente da Escritura declaratória de União
Estável, a presença do Advogado é obrigatória e requisito de Lei. Nunca é
demais lembrar que o cartório não pode indicar advogado e nem fornecer
advogado para o ato. As partes devem procurar e trazer seu profissional
de confiança ou mesmo o Defensor Público;
15. POSSO FAZER ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM
VERDADE: embora muitos cartórios torçam o nariz para fazer essa
Escritura (e como já falei aqui, fazer cara feia ou torcer o nariz não
resolve. Se é possível fazer e os requisitos foram prenchidos o Cartório
tem que fazer, sob pena de responsabilização) ela é plenamente
possível. Aqui no Rio de Janeiro temos desde 2014 um Parecer da CGJ/RJ
deixando claro sobre a possibilidade. Vale a consulta (Parecer SN84/2014
referente ao Processo 2013-204757);
16. A ESCRITURA DE UNIÃO ESTÁVEL PODE SER FEITA COM DATA RETROATIVA
MITO: nenhum ato notarial (Escritura, Procuração, Reconhecimento de
Firma etc) pode ser feito com data retroativa. Quando o cidadão vai até o
Cartório e pede um reconhecimento de firma, por exemplo, ele é
praticado com a data em que de fato o preposto realiza o ato (e cola a
etiquetinha de reconhecimento, se esse for o caso). Da mesma forma uma
Escritura Pública (seja ela de União Estável ou não): ela vai “sair” com
a data do dia em que o ato foi praticado, selado e assinado – porém –
nada impede que sejam declarados no documento que o casal vive em União
Estável há cinco anos, dez anos etc. Importante ressaltar que os efeitos
não vão retroagir já que o contrato escrito (aqui sob a forma pública,
então) só passou a existir a partir da lavratura. No caso da adoção do
regime da Comunhão Universal de Bens, por conta da particularidade deste
regime (que tem a retroação de efeitos como característica, na forma da
Lei) há sim retroação de efeitos para garantir meação sobre bens
anteriores (vide REsp 1459597/SC). Cuidado com a Comunhão Universal…
Existem muitos outros pontos peculiares e importantes sobre a união
estável e eu poderia falar deles aqui, mas por ora entendemos cabível
para a proposta de um post rápido os pontos acima destacados e, desde já
fica o convite para você acompanhar nosso conteúdo em nosso site e
redes sociais, onde falamos desses e outros assuntos do apaixonante
extrajudicial!
Site: ANOREG BR